sábado, 30 de agosto de 2008

uma noite bem dormida


"Forte né?!". É que nós não fazemos teatro para os fracos. A noite apareceu forte e ávida, ligeiramente ácida pra quem não esperava... Um tapa na cara dos fracos despreparados? Não tão isso, acho que foi acolhedor na medida do possível. Nossas pretensões ficaram ao chão, e a entrega era maior, eu olhava face a face e recebia o atentamento, o interesse, que bom, melhor isso, isso me encorajava, e a segurança que nós três tínhamos era tão boa que de um erro ou uma trombada, surgia o improviso. Foi assim na cena com a Sami. (HAHA) E a cachaça no nariz na boca na bochecha na fala, em tudo, a Anna nos encheu de álcool e de movimento, aquela sua saia branca rodando era um espetáculo à parte. A Sami também quando mexe, é um furacão tão familiar, tão terno no palco. Foi tudo que senti ontem na "cidade da orgia e do pecado", muitos diziam: gostei do texto, eu parava pra pensar, mas que texto? Havia textos, mas não texto que se decora e se demora falando, texto que se improvisa e que sai natural, era essa nossa fala. E dos nossos corpos, você não gostou?
Umas cinqüenta pessoas? Menos, né?! O salão era grande, acho que bem menos, trinta, de bom tamanho. Eu encarava cada uma. Ao fim, aplausos, comedidos ou não, eu fiquei surdo, cego, zonzo, a gente profanou, mas artisticamente com respeito, vá dizer.
É minha sensação, e minha profanação comedida, termino o texto agradecendo aos que ajudaram: maurício, thiago, gabi, etc etc etc. Que venha a próxima.

Boa noite, nós somos a Cia da Insônia.

Essa é a Cia da Insônia. Ou pelo menos parte dela, já que agora começaram a se agregar pessoas que sempre tiveram alguma coisa a ver com o trabalho, de alguma maneira, mas que não haviam entrado no processo. Foi assim com o Mau, na hora certa. Com o Thiago também, e logo viram novidades "gráficas" por aí.
Este era o nosso último ensaio, antes do parto que foi ontem. Vontade de sair correndo, até que os amigos começaram a chegar e o ambiente foi ficando acolhedor, a atmosfera deliciosamente iluminada pelas nossas velas, fazendo nosso cruzeiro-oratório-carnaval ir surgindo, a Paris e a cachaça engatilhadas, estreamos.

"Mas vocês são daqui mesmo ?"
"Eu não sabia que existia teatro assim por aqui"
Melhor que o reconhecimento, é o fato de termos feito algo não usual por aqui, é termos tido a coragem de nos mostrarmos ali, de pegarmos fogo, de derretermos, de não sermos mais covardes, de poder falar "tem teatro aqui sim".Essa foi A Santa Pelada, em 29 de agosto de 2008, no Salão Social do CAASO. Um trecho da sessão insônia, que desdobraremos sabe-se lá como .... mas que vai ser maravilhoso descobrir como.
Nós somos eu, Matheus, Sami e Mauricio, despedaçados sobre as calçadas, cegos, nus, putos, santos .....

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

hoje

Depois de nosso ensaio de ontem, permanece a aflição de hoje. É hoje, é hoje, e é hoje. Espero que seja uma apresentação fácil, fluida, familiar e terna. Que eu não sinta medo, nem elas. A questão é: deixar-se levar pelo tema e por tudo que já foi ensaiado, por todo o caminho já percorrido, mesmo se diante de muitas ou poucas pessoas, mesmo se num espaço que nada tem a ver com nossa apresentação. É memória de atuação, é levar-se através do labirinto que já desvendamos, das estradas já desvendadas, do medo já superado. É assim, entregue e familiar. Para que nossa fala e nossa cena seja ouvida e vista da forma mais bonita e sincera possível. Merda pra gente.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Oração de São Jorge

Oração a São Jorge

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal.

Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar.

Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meu inimigos.

Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.

São Jorge Rogai por Nós.

Preparação e entrega

No ensaio de ontem ordenamos as coisas, as cenas, as possíveis falas, as músicas, os meandros, os medos, e as nuances necessárias para trazer mais lucidez e menos incoerência à peça. Marcamos passos, agora estamos mais afinados, e assim preparados para a entrega que se aproxima. O palco mudou, não vai ser na arquitetura, uma frustração, era tão melhor, mais íntimo, mais livre, mais condizente, agora, num outro palco precisaremos adaptar pares de coisas.
O transe ficou marcado, deu certo ontem, o aquecimento ao som de Jorge Ben fez bem, deu-nos o ritmo certo, o momento certo, e agora que continue assim, manteremo-nos assim, na grande festa da santa-menina morta.
Sinceramente, algumas coisas de produção estão atrasadas, o figurino é uma dúvida, mas estabelecemos que os objetos cênicos serão os dois panos, as velas, o tambor, a cachaça e os tules. Nada mais! Sem dinheiro nem tempo. O som é aquele, as músicas incorporamos as infantis e as de igreja para a procissão, vai ficar bonito, ordenado, e ao mesmo tempo caótico, o que deixou de ser algo ruim e passou a ser uma qualidade, porque agora o caótico é pensado, é organizado e refletido.
Termina aqui meu diário de bordo, a grande festa da santa-menina morta se aproxima, o público eu não sei o que dirá, quem será, mas sabemos que estamos nos encaminhando à lapidação de um espetáculo que antes era somente intuitivo e instintivo, e agora, é consciente.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

descobrimo-nos...caóticos.

O ensaio hoje. A luz do sol incomodou a Anna, ela gosta da noite, dos ensaios à noite, quando íamos até às onze, quase; hoje começou às dez, dez e pouquinho, poucão, né Sami, rs, mas começou bem, e terminou...caótico. Que coisa caótica, estamos há uma semana antes do MACACO, e a gente tá em plena selva de emoção louca, uma doideira, um oratório pervertido, subvertido. Ok, eu gostei, precisava expulsar demônios, mas teatro não é isso, teatro é consciência também, e era isso que faltou, uma entrega consciente, e não uma entrega louca-intuitiva-puramente-visceral, bom, vimos nossos erros: isso funciona, isso NÃO. A gente precisa de mais tempo pra aquecer o corpo e a mente, a gente precisa se concentrar, a gente precisa dos mantras, da frase da Clarice Lispector, a gente precisa da música e do batuque, e a gente precisa precisar mais nossos atos, nossa encenação, afiná-las, taí o problema de "não se ter diretor", ou melhor, de se ter três diretores barra atores, que dentro da cena só enxergam o dentro, e o fora? E as imagens? No fim, chegamos à conclusão de que nossa contenção será aliada de nosso extravasamento, nosso canto, de nossa fala, e o nosso roteiro-guia, uma puta mão na roda! Mas não jaula nem algema, é só lembrete! Finalizamos com a imagem de São Jorge, no cavalo, combatendo o dragão (que é a santa puta), ficou bonito. Por hoje só, fica a indecisão do próximo ensaio, eu já aviso por aqui que volto só na terça, ih! A gente resolve. E beijo a todos os caóticos...como nós.

domingo, 17 de agosto de 2008

entregues à intuição

Uma semana antes da nossa condenação ou redenção, estamos abertos à nossa inconsciência, à nossa vontade de teatro, de voz e corpo em plena coerência e coesão. O nosso tema não é dos mais fáceis, mas surgiu assim, um dia, e agora permeia nossa criatividade: a santa, o oratório, o pecado e o popular.
Ao som de Jorge Ben Jesus Christ is my lord, Jesus Christ is my friend (2x) fazíamos daquele palco improvisado um terreiro ritualístico, e os tules, os panos e penduricalhos compunham nosso cenário... a voz, o aquecimento, as pernas, o tronco, a posição cênica livre punha-nos em ataque, em posição de ataque como São Jorge em cima do cavalo lutando contra os demônios e as bestas famintas, a santa surgia limpa, sozinha, crua, e aos poucos ia se tornando uma personagem densa e cruel, que pesava nas nossas costas, que perdurava...
Aguardamos as luzes de velas se acenderem para começar nosso espetáculo, o terreiro de magia, de sonho, de santo, de samba, de corpos soltos, de voz e vôo. Quarta, dia 26, entregaremo-nos aos leões.

Iniciação

Eis-me aqui, a mais nova integrante da Cia da Insônia!
Como descrever meu primeiro "dia de luta"...? Eu definiria como um ritual de iniciação.
A Anna e o Matheus já haviam trabalhado juntos antes, já conheciam mais ou menos o tempo um do outro... era eu a pessoa a ser "iniciada", a ser "batizada".
E acho que foi o que aconteceu... Deixei-me mergulhar em águas de desvario, me entreguei às manifestações mais primitivas da minha alma.. gritei, chorei, esperneei, rastejei, morri!
Metáfora bonita não?A de "morrer" pra deixar nascer em mim algo que ainda nem sei oque é...!
Não consigo me lembrar de tudo oque se passou, parece que fiquei em transe a tarde inteira! Mas analisando algumas cenas que não se esvaíram de minha memória, acho ainda que estou num estágio primitivo... tudo oque fiz foi muito forte, talvez até exagerado, mas acredito que é esse é apenas o início do processo, essa explosão inicial, esse "vomitar"tudo que 'havia dentro pra deixar o organismo limpo pra um novo tipo de alimento...

Preciso ser lapidada...!

sábado, 16 de agosto de 2008

Bispo Manto do Rosário

A SANTA PELADA

Quinta foi engraçado, o ensaio começou com notícias não tão boas, pessoas saíram, as cenas teriam de ser reformuladas, enfim, tinha tudo pra ser um ensaio sem força, mas não.

David, Anna e eu estávamos presentes, completamente enraizados naquele chão, esperando só o momento de podermos nos despir de pensamentos externos e começarmos a atuação, a entrega, a resistência. O exercício inicial foi uma espécie de mantra atuado, uma Ave-Maria diferente, sentida, os corpos mexendo de acordo com cada palavra, cada frase. Sentir e atuar aquilo eram difíceis, em alguns momentos nos perdíamos na reza, na repetição, no espaço. Depois, fui arremessado aos leões. Num cubículo, um cubo de madeira, tinha de conter meus movimentos e fazer uma cena, pensar numa cena, em palavras, em gestos, não podia parar. O que veio espantou-me, as palavras, a cena: a santa pelada surgiu como quem surge vestida, discreta, depois me tomou o corpo, o pensamento, repeti várias vezes até conseguir um grau de entrega e de concentração que eu jamais imaginava. Sentia-me envergonhado, tal qual o personagem, castrado por me mostrar ali, diante deles, toda minha fraqueza em dizer: “eu era uma santa, uma santa pelada, que mostrava o peito, que se mostrava toda pra todo mundo”. E eu dizia, eu ria, eu me entregava, um cansaço começou a me tomar, e quando parecia rendido e morto, David introduziu a Anna na cena, fizemos tudo com os corpos, com as falas, com a santa.

Rolávamos no chão e esculpíamos imagens belas, mãos entrelaçadas, abraços findos, olhos concentrados. David nos guiava diante de nossas permissões, diante de nossos desmembramentos, diante de nossas loucuras. Confiantes, produzíamos imagens pictóricas, falas esparsas. Revezávamos na santa, mas éramos um só corpo, um só pensamento.

No final, acabou que foi uma criação interessante. Apesar dos pesares, estamos empolgados e queremos continuar. O palco permanece. Permanecemos inertes no estado de entrega, a soltura de nós mesmos nos traz ao compromisso e ao deleite que só nós nos permitimos. Estamos diante de nós mesmos, fonte de arte e de criação.

Num distante 8 de maio de 2008

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Você dorme bem ?

"Somos feitos da matéria dos sonhos, e nossa vida breve se encerra com um sono" (Shakespere, A Tempestade)
Eu nunca durmo. Dormir é para os fracos, e bom dia é para os trouxas. Eu não enxergo nada. Com quem você sonhou? Mergulha no sono como quem mergulha de uma ponte... Sonhei que tinha chifres, bem grandes, desse tamanho! Assim eram nossos encontros, como sonhos de alguém que não dorme. Nós, da Cia da Insônia, nos debatemos nesse espaço do sono, uma vigília constante, tentando nos encontrar e encontrarmo-nos uns aos outros, nossa realidade era o corpo e o que o sono fazia dele, pesados e leves, cansados e acordados, traíamos nós mesmos, e o teatro era nossa redenção.
Através da pesquisa e de improvisações tentamos buscar em nossos corpos as imagens e as perturbações do sono, do sonho e dessa consciência desacordada. Nossos personagens e fantasias nos conduziam à vigília da criação, às vezes turbulenta como pesadelos, ou ainda pior, quando suave e calma como oratórios antigos: a santa pelada surgia resplandecente e recatada, nos abençoando como filhos da desordem, encarcerados no caos da explosão, da erupção que unia nossos corpos numa só massa, feita de areia, fumaça, penas de ganso, passos desordenados, paredes destruídas, labirínticas memórias, casulos de mariposa... “É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno” disse Clarice Lispector, e um mundo todo dormindo é o Inferno próprio. Bem-vindos à sessão insônia!
Anna Kühl e Matheus Chiaratti, integrantes da Cia da Insônia.